ENEM 2003
1 No ano passado, o
governo promoveu uma campanha a fim de reduzir os índices de violência. Noticiando
o fato, um jornal publicou a seguinte manchete:
CAMPANHA CONTRA A
VIOLÊNCIA DO GOVERNO DO ESTADO ENTRA EM NOVA FASE
A manchete tem um
duplo sentido, e isso dificulta o entendimento. Considerando o objetivo da
notícia, esse problema poderia ter sido evitado com a seguinte redação:
(A) Campanha contra o
governo do Estado e a violência entram em nova fase.
(B) A violência do
governo do Estado entra em nova fase de Campanha.
(C) Campanha contra o
governo do Estado entra em nova fase de violência.
(D) A violência da
campanha do governo do Estado entra em nova fase.
(E) Campanha do governo do
Estado contra a violência entra em nova fase.
Comentário:
A ambiguidade da frase ocorre pela ordem em que as palavras estão dispostas, ou
seja, é um problema de ordem sintática. O termo “do governo do Estado” pode
referir-se tanto a “campanha” como a “violência”, sendo, assim, um adjunto
adnominal. As duas possibilidades são: (1) “campanha do governo do Estado” ou
“violência do governo do Estado”. Ao modificarmos a ordem dos elementos,
perceberemos clareza de ideias na alternativa E, por se tratar de uma campanha
do governo contra a violência.
8 Do pedacinho de
papel ao livro impresso vai uma longa distância. Mas o que o escritor quer,
mesmo, é isso: ver o seu texto em letra de forma. A gaveta é ótima para aplacar
a fúria criativa; ela faz amadurecer o texto da mesma forma que a adega faz
amadurecer o vinho. Em certos casos, a cesta de papel é melhor ainda.
O período de maturação
na gaveta é necessário, mas não deve se prolongar muito. ‘Textos guardados
acabam cheirando mal’, disse Silvia Plath, (...) que, com esta frase, deu
testemunho das dúvidas que atormentam o escritor: publicar ou não publicar?
guardar ou jogar fora?
(Moacyr Scliar. O escritor e seus desafios.)
Nesse texto, o escritor Moacyr Scliar
usa imagens para refletir sobre uma etapa da criação literária. A ideia de que
o processo de maturação do texto nem sempre é o que garante bons resultados
está sugerida na seguinte frase:
(A) “A gaveta é ótima para aplacar a fúria criativa.”
(B)
“Em certos casos, a cesta de papel é melhor ainda.”
(C) “O período de maturação na gaveta é necessário, (...).”
(D) “Mas o que o escritor quer, mesmo, é isso: ver o seu texto em
letra de forma.”
(E) “ela (a gaveta) faz amadurecer o texto da mesma forma que a
adega faz amadurecer o
vinho.”
Comentário:
A alternativa B indica que nem sempre a gaveta – local de maturação do texto –
é a melhor saída para a seleção de textos bons e textos “não muito bons”. A cesta
de papéis, segundo o contexto da frase, pode ser melhor que a gaveta, pois
“trataria” dos textos de menos qualidade.
9 Eu
começaria dizendo que poesia é uma questão de linguagem. A importância do poeta
é que ele torna mais viva a linguagem. Carlos Drummond de Andrade escreveu um
dos mais belos versos da língua portuguesa com duas palavras comuns: cão e
cheirando.
Um cão cheirando o futuro
(Entrevista com
Mário Carvalho. Folha de SP, 24/05/1988. adaptação)
O que deu ao
verso de Drummond o caráter de inovador da língua foi
(A) o modo raro como foi tratado o “futuro”.
(B) a referência ao cão como “animal de estimação”.
(C) a flexão pouco comum do verbo “cheirar” (gerúndio).
(D) a aproximação não usual do agente citado e a ação de
“cheirar”.
(E) o emprego do artigo indefinido “um” e do artigo definido “o”
na mesma frase.
Comentário: (A) O que surpreende o leitor de Drummond não é a
aproximação não usual do agente “cão” e a ação de “cheirar”, afirmada pela
alternativa D, mas o modo como foi tratado o “futuro”, como objeto de tal ação.
Instruções: As questões de números 10 e 11 referem-se ao poema abaixo.
Epígrafe*
Murmúrio
de água na clepsidra** gotejante,
Lentas
gotas de som no relógio da torre,
Fio de
areia na ampulheta vigilante,
Leve
sombra azulando a pedra do quadrante***
Assim se escoa a hora, assim se
vive e morre...
Homem,
que fazes tu? Para que tanta lida,
Tão
doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos
somente a Beleza, que a vida
É um
punhado infantil de areia ressequida,
Um som
de água ou de bronze e uma sombra que passa...
(Eugênio de Castro. Antologia pessoal da poesia portuguesa)
(*) Epígrafe: inscrição colocada no ponto mais alto; tema.
(**) Clepsidra: relógio de água.
(***) Pedra do quadrante: parte superior de um relógio de
sol.
10 A imagem contida em “lentas gotas
de som” (verso 2) é retomada na segunda estrofe por meio da expressão:
(A) tanta ameaça.
(B) som de bronze.
(C) punhado de areia.
(D) sombra que passa.
(E) somente a Beleza.
Comentário: (B) Em “Gotas de som”, ocorre uma metáfora sinestésica, pois estão
envolvidas duas percepções sensoriais distintas: audição e visão, que se
referem às baladas de um relógio marcando a passagem do tempo. A mesma
referência ao relógio ocorre na expressão “som de bronze”.
11 Neste poema, o que
leva o poeta a questionar determinadas ações humanas (versos 6 e 7) é a:
(A) infantilidade do ser humano.
(B) destruição da natureza.
(C) exaltação da violência.
(D) inutilidade do trabalho.
(E) brevidade da vida.
Comentário: (E) Obviamente, o tema tratado no poema é a passagem do tempo e a finitude/brevidade da vida: “assim se ecoa a hora”, “assim se vive e
morre”.
12 A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um
acontecimento para a meninada. (...) andava léguas e léguas a pé, de engenho a
engenho, como uma edição viva das histórias de Mil e Uma Noites (...) era uma
grande artista para dramatizar. Tinha uma memória de prodígio. Recitava contos
inteiros em versos, intercalando pedaços de prosa, como notas explicativas.
(...) Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. O que
fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus
descritivos. (...) Os rios e as florestas por onde andavam os seus personagens
se pareciam muito com o Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um
senhor de engenho de Pernambuco.
(José Lins do Rego. Menino de engenho)
A cor local que a personagem velha
Totonha colocava em suas histórias é ilustrada, pelo autor, na seguinte
passagem:
(A) “O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco”.
(B) “Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e
adivinhações”.
(C) “Era uma grande artista para dramatizar. Tinha uma memória de
prodígio”.
(D) “Andava léguas e léguas a pé, como uma edição viva das Mil e
Uma Noites”.
(E) “Recitava contos inteiros em versos, intercalando pedaços de
prosa, como notas explicativas”.
Comentário: (A)
A “cor local” a que a velha Totonha se referia em suas descrições corresponde
ao que ela assimilava de seu meio social e físico: paisagens, personagens,
dentre outros.
13 Pequenos tormentos da vida
De cada lado da sala de aula, pelas janelas altas, o azul convida
os meninos,
as nuvens desenrolam-se, lentas como quem vai inventando
preguiçosamente uma história sem fim...Sem fim é a aula: e nada
acontece,
nada...Bocejos e moscas. Se ao menos, pensa Margarida, se ao menos
um
avião entrasse por uma janela e saísse por outra!
(Mário Quintana. Poesias)
Na cena
retratada no texto, o sentimento do tédio:
(A) provoca que os meninos fiquem contando histórias.
(B) leva os alunos a simularem bocejos, em protesto contra a
monotonia da aula.
(C) acaba estimulando a fantasia, criando a expectativa de algum imprevisto
mágico.
(D) prevalece de modo absoluto, impedindo até mesmo a distração ou
o exercício do pensamento.
(E) decorre da morosidade da aula, em contraste com o movimento
acelerado das nuvens e das moscas.
Comentário: A escolha da alternativa C se justifica pela fantasia e desejo
da menina de que “um avião entrasse por uma janela e saísse por outra”,
correspondendo, assim, a algum imprevisto mágico.
62
O humor presente na tirinha decorre principalmente do fato
de a personagem Mafalda
a)
atribuir, no primeiro quadrinho, poder ilimitado ao dedo
indicador.
b)
considerar seu dedo indicador tão importante quanto o dos patrões.
c)
atribuir, no primeiro
e no último quadrinhos, um mesmo sentido ao vocábulo “indicador”.
d)
usar corretamente a expressão “indicador de desemprego”, mesmo
sendo criança.
e)
atribuir, no último quadrinho, fama exagerada ao dedo indicador
dos patrões.
Comentário:
(C)O humor da tirinha decorre da confusão que Mafalda faz com dois diferentes
sentidos de indicador – a menina, ingênua, não percebe que a palavra
pode mudar de sentido ao mudar de contexto -: (1) dedo da mão e (2) índice
estatístico. Se a menina não tivesse usado a palavra, no último quadrinho, com
o sentido que usou no primeiro (sentido 1), a tirinha não teria tal efeito
humorístico.
O texto aponta no
quadro de Tarsila do Amaral um tema que também se encontra nos versos
transcritos em:
(A) “Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas.”
(Vinícius
de Moraes)
(B)
“Somos muitos severinos
iguais
em tudo e na sina:
a de
abrandar estas pedras
suando-se
muito em cima.”
(João Cabral de Melo Neto)
(C) “O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada em arquivos.”
(Ferreira
Gullar)
(D) “Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os
sonhos do mundo.”
(Fernando
Pessoa)
(E) “Os inocentes do Leblon
Não viram o navio entrar (...)
Os inocentes, definitivamente inocentes
tudo ignoravam,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam pelas costas, e
aquecem.”
(Carlos
Drummond de Andrade)
Comentário: Tarsila, em seu quadro,
sugere que as condições desumanas de trabalho tornam os indivíduos iguais
enquanto “força e instrumento de trabalho”. A diversidade e os valores
individuais do ser acabam sendo diluídos. Semelhante à
crítica de Tarsila são os versos de João Cabral, que falam da dissolução da
individualidade dos nordestinos, consequência de um trabalho árduo e da
tentativa constante de fugir da seca e da miséria.
Fonte: http://www.joseferreira.com.br/blogs/lingua-portuguesa/enem/questoes-de-lingua-portuguesa-no-enem-2003-gabarito-comentado/
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