sexta-feira, 22 de julho de 2016

Prova ENEM 2000 - Língua P0rtuguesa - Gabarito




1. Ferreira Gullar, um dos grandes poetas brasileiros da atualidade, é autor de “Bicho urbano”, poema sobre a sua relação com as pequenas e grandes cidades.



Bicho urbano



Se disser que prefiro morar em Pirapemas

ou em outra qualquer pequena cidade do país

estou mentindo

ainda que lá se possa de manhã

lavar o rosto no orvalho

e o pão preserve aquele branco

sabor de alvorada.

.....................................................................

A natureza me assusta.

Com seus matos sombrios suas águas

suas aves que são como aparições

me assusta quase tanto quanto

esse abismo

de gases e de estrelas

aberto sob minha cabeça.

(GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1991)



Embora não opte por viver numa pequena cidade, o poeta reconhece elementos de valor no cotidiano das pequenas comunidades. Para expressar a relação do homem com alguns desses elementos, ele recorre à sinestesia, construção de linguagem em que se mesclam impressões sensoriais diversas. Assinale a opção em que se observa esse recurso.

(A) "e o pão preserve aquele branco / sabor de alvorada."

(B) "ainda que lá se possa de manhã / lavar o rosto no orvalho"

(C) "A natureza me assusta. / Com seus matos sombrios suas águas"

(D) "suas aves que são como aparições / me assusta quase tanto quanto"

(E) "me assusta quase tanto quanto / esse abismo / de gases e de estrelas"


Comentário: (A)Sinestesia é a figura de linguagem que trata do cruzamento dos sentidos. Quanto mais sentidos cruzados, mais rica será a frase ou a poesia sinestésica. Na expressão “sabor da alvorada” mesclam-se dois sentidos: a visão (a ‘alvorada’, que possivelmente é vista) e o paladar (‘sabor’).


6. Em uma conversa ou leitura de um texto, corre-se o risco de atribuir um significado inadequado a um termo ou expressão, e isso pode levar a certos resultados inesperados, como se vê nos quadrinhos abaixo.

Nessa historinha, o efeito humorístico origina-se de uma situação criada pela fala da Rosinha no primeiro quadrinho, que é:

(A) Faz uma pose bonita!

(B) Quer tirar um retrato?

(C) Sua barriga está aparecendo!

(D) Olha o passarinho!

(E) Cuidado com o flash!



Comentário: (D)A fala omitida no quadrinho é a famosa expressão “olha o passarinho”, que os fotógrafos pedem ao fotografado, para obter um bom enquadramento da fotografia. O humor ocorre quando Chico, dando outra conotação à palavra “passarinho” – designação popular para a genitália masculina –, dirige seu olhar para dentro de suas calças (para o seu ‘passarinho’), provocando irritação em Rosinha. Pela fala do último quadrinho, percebe-se que Chico ficou sem entender o pedido da menina.



18 ―Precisa-se nacionais sem nacionalismo, (...) movidos pelo presente mas estalando naquele cio racial que só as tradições maduram! (...). Precisa-se gentes com bastante meiguice no sentimento, bastante força na peitaria, bastante paciência no entusiasmo e sobretudo, oh! sobretudo bastante vergonha na cara! (...) Enfim: precisa-se brasileiros! Assim está escrito no anúncio vistoso de cores desesperadas pintado sobre o corpo do nosso Brasil, camaradas.”

(Jornal A Noite, São Paulo, 18/12/1925 apud LOPES, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo: Duas Cidades, 1972).



No trecho acima, Mário de Andrade dá forma a um dos itens do ideário modernista, que é o de firmar a feição de uma língua mais autêntica, “brasileira”, ao expressar-se numa variante de linguagem popular identificada pela (o):

(A) escolha de palavras como cio, peitaria, vergonha.

(B) emprego da pontuação.

(C) repetição do adjetivo bastante.

(D) concordância empregada em Assim está escrito.

(E) escolha de construção do tipo precisa-se gentes.



Comentário: (E) Em “Precisa-se nacionais”, “Precisa-se brasileiros” e “Precisa-se gentes”, Mário de Andrade infringe a gramática tradicional, pois se o poeta intencionou usar o verbo “precisar” como VTD (verbo transitivo direto) na voz passiva com sujeitos apassivados, tal verbo deveria estar no plural, concordando com os sujeitos. O verbo “precisar” como VTI (verbo transitivo indireto) acompanha-se da preposição “de” e, junto com o “se”, caracteriza indeterminação do sujeito. Nesse caso, ele se mantém sempre na 3ª pessoa do singular.

20 “Poética”, de Manuel Bandeira, é quase um manifesto do movimento modernista brasileiro de 1922. No poema, o autor elabora críticas e propostas que representam o pensamento estético predominante na época.

Poética

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e

[manifestações de apreço ao Sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o

[cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

..........................................................................................

Quero antes o lirismo dos loucos

O lirismo dos bêbedos

O lirismo difícil e pungente dos bêbedos

O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

(BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa.

Rio de Janeiro. Aguilar, 1974)

Com base na leitura do poema, podemos afirmar corretamente que o poeta:

(A) critica o lirismo louco do movimento modernista.

(B) critica todo e qualquer lirismo na literatura.

(C) propõe o retorno ao lirismo do movimento clássico.

(D) propõe o retorno ao lirismo do movimento romântico.

(E) propõe a criação de um novo lirismo.



Comentário: (E) Manuel Bandeira, um dos pioneiros do Modernismo, está combatendo neste poema a forma tradicional dos parnasianos, ou seja, ele objetiva criar novas possibilidades e estimula a ruptura com os valores do passado. Assim, ele propõe uma poesia livre das convenções estéticas e linguísticas até então vigentes no Brasil.

O autor do texto abaixo critica, ainda que em linguagem metafórica, a sociedade contemporânea em relação aos seus hábitos alimentares.



―Vocês que têm mais de 15 anos, se lembram quando a gente comprava leite em garrafa, na leiteria da esquina? (...) Mas vocês não se lembram de nada, pô! Vai ver nem sabem o que é vaca. Nem o que é leite. Estou falando isso porque agora mesmo peguei um pacote de leite – leite em pacote, imagina, Tereza! – na porta dos fundos e estava escrito que é pasterizado, ou pasteurizado, sei lá, tem vitamina, é garantido pela embromatologia, foi enriquecido e o escambau.

Será que isso é mesmo leite? No dicionário diz que leite é outra coisa: ‗Líquido branco, contendo água, proteína, açúcar e sais minerais‘. Um alimento pra ninguém botar defeito. O ser humano o usa há mais de 5.000 anos. É o único alimento só alimento. A carne serve pro animal andar, a fruta serve pra fazer outra fruta, o ovo serve pra fazer outra galinha (...) O leite é só leite. Ou toma ou bota fora.

Esse aqui examinando bem, é só pra botar fora. Tem chumbo, tem benzina, tem mais água do que leite, tem serragem, sou capaz de jurar que nem vaca tem por trás desse negócio.

Depois o pessoal ainda acha estranho que os meninos não gostem de leite. Mas, como não gostam? Não gostam como? Nunca tomaram! Múúúúúúú!

(FERNANDES, Millôr. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1999)

32 A crítica do autor é dirigida:

(A) ao desconhecimento, pelas novas gerações, da importância do gado leiteiro para a economia nacional.

(B) à diminuição da produção de leite após o desenvolvimento de tecnologias que têm substituído os produtos naturais por produtos artificiais.

(C) à artificialização abusiva de alimentos tradicionais, com perda de critério para julgar sua qualidade e sabor.

(D) à permanência de hábitos alimentares a partir da revolução agrícola e da domesticação de animais iniciada há 5.000 anos.

(E) à importância dada ao pacote de leite para a conservação de um produto perecível e que necessita de aperfeiçoamento tecnológico.



Comentário: (C) O caso do leite (pasteurizado, enriquecido, etc.) serve de exemplo para a crítica à artificialização abusiva dos alimentos tradicionais.



33 A palavra embromatologia usada pelo autor é:

(A) um termo científico que significa estudo dos bromatos.

(B) uma composição do termo de gíria “embromação” (enganação) com bromatologia, que é o estudo dos alimentos.

(C) uma junção do termo de gíria “embromação” (enganação) com lactologia, que é o estudo das embalagens para leite.

(D) um neologismo da química orgânica que significa a técnica de retirar bromatos dos laticínios.

(E) uma corruptela de termo da agropecuária que significa a ordenha mecânica.



Comentário: (B) O autor, intencionando um efeito cômico, faz uma “montagem” brincando com as palavras “embromação” e “lactologia”, resultando no trocadilho “embromatologia”.

46 Em muitos jornais, encontramos charges, quadrinhos, ilustrações, inspirados nos fatos noticiados. Veja um exemplo:


Jornal do Commércio, 22/8/93

O texto que se refere a uma situação semelhante à que inspirou a charge é:


(A)   Descansem o meu leito solitário

        Na floresta dos homens esquecida,

        À sombra de uma cruz, e escrevam nela

     – Foi poeta – sonhou – e amou na vida.

(AZEVEDO, Álvares de. Poesias escolhidas. Rio de Janeiro/Brasília: José Aguilar/INL,1971)



(B)  Essa cova em que estás

       Com palmos medida,

       é a conta menor

       que tiraste em vida.

       É de bom tamanho,

       Nem largo nem fundo,

       É a parte que te cabe

       deste latifúndio.

       (MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967)



(C) Medir é a medida

      mede

      A terra, medo do homem, a lavra;

      lavra

     duro campo, muito cerco, vária várzea.

(CHAMIE, Mário. Sábado na hora da escutas. São Paulo: Summums, 1978)



(D) Vou contar para vocês

      um caso que sucedeu

      na Paraíba do Norte

      com um homem que se chamava

      Pedro João Boa-Morte,

      lavrador de Chapadinha:

      talvez tenha morte boa

      porque vida ele não tinha.         

(GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983)



(E) Trago-te flores, – restos arrancados

      Da terra que nos viu passar

      E ora mortos nos deixa e separados.

(ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1986)

Comentário: (B) Esta questão exige reflexão. Notemos que o título da imagem “Demarcação de terras indígenas” está ligado ironicamente à figura de covas comuns/anônimas. Assim, surge uma indagação: será que as covas são as terras dos índios? Ironicamente, a alternativa B poderia ser até uma legenda para essa imagem, se pensarmos nos conflitos constantes que ocorrem entre índios e brancos pela ocupação de terras, uma vez que os direitos originais dos primeiros são usurpados ou por latifundiários ou pelo Estado; não resta, para o índio, nada além da sua simples cova. É a parte que lhe cabe no latifúndio.

57 O uso do pronome átono no início das frases é destacado por um poeta e por um gramático nos textos abaixo.

Pronominais


Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro



“Iniciar a frase com pronome átono só é lícito na conversação familiar, despreocupada, ou na língua escrita quando se deseja reproduzir a fala dos personagens (...).”

(CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. São Paulo: Nacional, 1980)



Comparando a explicação dada pelos autores sobre essa regra, pode-se afirmar que ambos:

(A) condenam essa regra gramatical.

(B) acreditam que apenas os esclarecidos sabem essa regra.

(C) criticam a presença de regras na gramática.

(D) afirmam que não há regras para uso de pronomes.

(E) relativizam essa regra gramatical.



Comentário: (E) Questão que requer conhecimento das regras de colocação pronominal. Em ambos os casos, as situações são específicas: ambiente escolar (professor e aluno) e linguagem oral (dos camaradas) no poema de Oswald de Andrade, e linguagem escrita (norma culta) não voltada para a oralidade no texto de Cegalla.



59 As histórias em quadrinhos, por vezes, utilizam animais como personagens e a eles atribuem comportamento humano. O gato Garfield é exemplo desse fato.




O 3º quadrinho sugere que Garfield:

(A) desconhece tudo sobre arte, por isso faz a sugestão.

(B) acredita que todo pintor deve fazer algo diferente.

(C) defende que para ser pintor a pessoa tem de sofrer.

(D) conhece a história de um pintor famoso e faz uso da ironia.

(E) acredita que seu dono tenha tendência artística e, por isso, faz a sugestão.



Comentário: (D)No quadrinho, Garfield sugere que seu dono comece seu trabalho imitando Van Gogh, um famoso pintor que, em um ato de loucura, cortou a orelha e fez dois autorretratos demonstrando seu desesperado ato de automutilação.

 Fonte: http://www.joseferreira.com.br/blogs/lingua-portuguesa/enem/questoes-de-lingua-portuguesa-no-enem-2000-gabarito-comentado/

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