7.SOLECISMO



O solecismo ocorre quando, no enunciado, há desvios de sintaxe de concordância, de regência ou de colocação pronominal.

7.1 No solecismo de concordância, a frase é construída sem a devida harmonia entre o verbo e o sujeito, ou entre os adjuntos adnominais e predicativos com os termos a que eles se relacionam, salvo casos especiais de concordâncias, a exemplo do verbo ser que obedece a regras especiais. Exemplos: “Faltou muitos alunos no dia do jogo da Seleção do Brasil” / “Há menas água no pote”. Na primeira frase, o verbo faltar deveria concordar no plural com a expressão muitos alunos. Já no segundo exemplo, a concordância é nominal e a expressão menos deverá sempre concordar no masculino visto que não há para ela forma feminina.

Ainda sobre o solecismo de concordância, há o que chamamos de concordância ideológica, silepse. No entanto, em virtude de ser a silepse um caso especial e que vem ganhando destaque nos usos cultos, especialmente a de pessoa, preferimos tratar dela num tópico especial a seguir.

7.2. No solecismo de regência, o enunciador inviabiliza o real sentido da frase quando usa uma regência em lugar de outra. A regência é o processo sintático que regula a relação entre termos regidos e termos regentes, ou seja: entre verbos e complementos verbais e entre nomes e complementos nominais. A relação sintática entre os verbos e os nomes e entre esses e seus complementos dá-se por meio do emprego de uma preposição (ou não). O uso de uma preposição em lugar de outra muda o sentido causando prejuízos ao enunciado. Com isso, o enunciador pode induzir o enunciatário a erro.
 Exemplo de solecismo de regência verbal:

  •  “O policial que assiste em Cacoal, assistiu ao acidente e, em seguida, de modo ágil, assistiu o acidentado salvando-lhe a vida”. 
Veja que, na primeira incidência, o verbo assistir é sinônimo dos verbos morar, residir e é intransitivo, requerendo apenas um adjunto adverbial de lugar e, por isso, rege a preposição “em”. Quem é residente, “reside” em algum lugar. Na segunda incidência, o verbo é transitivo indireto e tem o sentido de ver, por isso rege a preposição “a” e na terceira, é transitivo direto e, tanto por isso, não pede obrigatoriamente nenhuma preposição, diz-se nestes casos que a regência é transitiva direta.
 Exemplo de regência nominal:
  •  “O Estado deve trabalhar mais na recuperação para os rios brasileiros”.
 Neste caso, a regência é entre o substantivo recuperação e seu complemento rios brasileiros que deveria se dar por meio do conectivo oracional “de” e não como foi feito usando o “para”.

7.3 No solecismo de colocação, o falante ou escritor antepõe ou pospõe a expressão antes ou depois de outra expressão de forma equivocada sintático-gramaticalmente. Na linguagem coloquial oral a próclise do pronome é regra geral como se vê na forma: “Me empresta o livro.” Outros exemplos

  •  “Não emprestar-te-ei o dinheiro que precisas.” 
  •  Jamais empresto-te a luz que brilha em mim”.
 As formas corretas segundo o padrão, respectivamente, são: Empresta-me o livro, Não te emprestarei o dinheiro e Jamais te empresto a luz que brilha em mim.

7.4 SILEPSE (Caso especial de solecismo de concordância): A silepse é, segundo Cunha e Cintra (2007, p. 645), “a concordância que se faz não com a forma gramatical das palavras, mas com o seu sentido, com a ideia que elas expressam”. A silépse é, portanto, uma concordância ideológica que concorda com o sentido expresso na palavra e não com a palavra propriamente dita. Em língua portuguesa, a silepse divide-se em três: de número, de gênero e de pessoa.

7.4.1 A silepse de número ocorre, nos casos mais comuns, quando o verbo concorda no plural com um sujeito coletivo que requer, por natureza, a concordância verbal no singular, a exemplo de:

  •  “O professor começou a aula, quando chegaram todo o pessoal”.

 Vejam que a expressão “todo o pessoal” é sujeito de chegaram. O autor da frase concordou com o número de pessoas que chegou e não com o termo coletivo como sugere a gramática. A silepse de número pode ocorrer também nos casos em que os adjetivos e particípios concordam no singular com os sujeitos da oração representados pelos pronomes nós ou vós. Exemplo:
  •  “Estivemos o tempo todo nos preparando para a apresentação do trabalho, no entanto, quando chegamos no dia marcado, falamos tímido a plateia que nos olha atenta e duvidosa”.


7.4.2 A silepse de gênero acontece na concordância ideológica entre as expressões de tratamento e o adjetivo com função predicativa. Como sabemos, os pronomes de tratamento exigem sempre concordância com adjetivo no feminino. Assim o sendo, o que deveria ser: 

  • Lula, Vossa Excelência é sempre muito bondosa, acaba, por vezes, sendo: “Lula, Vossa Excelência é sempre muito bondoso.” 
Como se vê, o predicativo concordou com o gênero do presidente Lula e não com o sujeito da frase, Vossa Excelência.

7.4.3 A silepse de pessoa vem se tornando bastante recorrente na língua portuguesa e acontece de três maneiras: A) quando a pessoa que fala ou escreve se insere num sujeito previamente anunciado na terceira pessoa. Exemplo:

  •  “Os brasileiros somos um povo feliz” (eles e eu = nós). B) quando num sujeito de terceira pessoa, inserimos a pessoa a que dirigimos.

 Exemplo

  • : “Neste final de semana, os mestres estais em vigília pelos enfermos”.

 Observe que estarão reunidos os mestres e também a pessoa para a qual se dirige o enunciado (eles e tu = vós) e C) no português coloquial é muito comum ouvirmos dizer:

  •  “A gente sempre sai tarde do trabalho, precisamos relaxar um pouco tomando uma gelada”.
 “A gente” pede verbo na terceira pessoa do singular; nos casos em que há silepse, o falante emprega a expressão com o verbo na primeira pessoa do plural. Embora Celso Cunha e Lindley Cintra classifiquem tal ocorrência como sendo silepse de pessoa, sou partidário também dos que a classificam como sendo de número, tendo em vista que “a gente” é uma expressão singular que representa mais de um e, tanto por isso, é possível que a concordância seja feita pelo falante com o número plural representado ideologicamente no termo.

Em suma, a silepse que já foi dita como uma das vilãs da concordância, graças ao seu uso na produção literária por autores consagrados, a exemplo de Machado de Assis, Camilo Castelo Branco e outros, acabou por ganhar status de figura de estilo e hoje já se vê aceita até mesmo fora dos textos literários. Veja que primor de silepse de pessoa:

  •  “Só os quatro velhos – o desembargador com os três – fazíamos planos futuros.” (Machado de Assis).
  •  “Estava designada a noite dum baile em casa de Rita Emília, quando os convidados recebemos aviso da súbita doença de Francisco José de Souza.” (Camilo Castelo Branco).
  •  “Vossa Excelência parece magoado [...]. (Carlos Drummond de Andrade).

 E desse modo, é que a silepse se consagra como estilo, no entanto, o seu uso desregrado pode, conforme já supramencionado, constituir vício de linguagem, por isso, é sempre bom mensurar o momento exato de uso e de não uso da silepse para não incorrer em erro.

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