terça-feira, 19 de julho de 2016

Paráfrase e Polissemia

Funcionamento da paráfrase:

    Como afirma Orlandi (2001, p.36), "em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado". Logo,a paráfrase tem como marca a repetição, a reiteração de certos dizeres  que fazem parte da memória discursiva e que são mobilizados pelos sujeitos.

    Exemplos:    "Amigos, amigos, senhas à parte."

    O já-dito é " Amigos, amigos, negócios à parte", sendo o termo "negócios" substituído por "senhas", muito requeridas no espaço digital. Mas um dos sentidos do ditado tradicional permanece: as relações de amizade devem ser separadas das negociações, sejam elas no mundo real ou virtual.

    "Não adianta chorar sobre o arquivo deletado."

    O já-dito é: "Não adianta chorar sobre o leite derramado." No dito, a expressão "leite derramado" é substituída por "arquivo deletado". O sentido do ditado original, no entanto, permanece: em algumas situações, não há nada que possa ser feito, daí ser inútil chorar.

    Em casos como esses, apesar de termos uma formulação original nos ditados, que aparecem repaginados em relação a novas condições de produção do espaço virtual, temos uma retomada de dizeres já-ditos, o que quer dizer que discursivamente temos o funcionamento da paráfrase. 

Agora, veja mais um exemplo de ditado popular da era digital:

    Na informática nada se perde, nada se cria. Tudo se copia... e depois se cola.

    Nesse caso, vemos que o sentido do provérbio tradicional não se mantém; ele é deslocado, a partir da recuperação da famosa frase de Lavoisier.
    O ditado retoma um dizer já-dito, mas também promove uma ruptura de sentido: "Tudo se copia...e depois se cola". Na retomada de outro dizer já-dito em outro espaço, "copiar e colar" textos, retomando a facilidade de cópia proporcionada pelos comandos "Ctrl+c" e "Ctrl+v", a ruptura se evidência.

    Nesses dois casos, temos a possibilidade de sentidos outros, um deslocamento de sentido, apesar da aparente retomada de uma frase famosa. Desse modo, temos o funcionamento da polissemia. Segundo afirma Orlandi (2001, p.36), "na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco."

    É na relação entre paráfrase e polissemia que os dizeres se assentam, uma vez que eles sempre retomam dizeres já-ditos, mas também promovem deslocamentos, que fazem com que o sentido possa sempre ser outro.


Fonte:Língua, uso e discurso: entremeios e fronteiras, 2013.

   
 

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