sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

AUTO DA COMPADECIDA, Ariano Suassuna - exercícios


    Identificando-se com os nordestinos , Ariano Suassuna é o maior escritor do teatro popular.  Assume, categoricamente, a herança do teatro medieval português, nomeando como auto ou farsa alguns de seus textos. No Auto da Compadecida Nossa Senhora manifesta a sua misericórdia aos pobres.

I. Auto da Compadecida,  Ariano Suassuna

BISPO -  Que há? Que é isso? Que barulho!
MULHER - É  Severino  do  Aracaju,  que  entrou  na  cidade  com um cabra e vem para cá roubar a igreja.
PADRE – Ave- Maria! Valha-me Nossa Senhora!
BISPO - Quem é Severino do Aracaju?
SACRISTÃO - Um cangaceiro, um homem horrível.
BISPO, à mulher. - Chame a polícia.
MULHER - A polícia correu.
BISPO  - Correu?
MULHER - E então? Informaram-se por onde ele vinha e saíram exatamente pelo outro lado.
BISPO - Ave-Maria! Valha-me Nossa Senhora!
MULHER - Ai! meu Deus!
PADEIRO - Ai! meu Deus!
PADRE - E será verdade mesmo? Onde está Severino?
SEVERINO, aparecendo - Aqui.
BISPO, desmaiando - Ai!
JOÃO GRILO - Que grande administrador!
SEVERINO - Um   momento,   ninguém   corra.   O   primeiro   que tentar fugir, morre. O que é isso que está aí deitado, é algum cônego?
BISPO, abrindo os olhos, cioso do posto - Bispo.
SEVERINO - Ótimo. Nunca tinha matado um bispo, o senhor vai ser o primeiro.
BISPO, desmaiando -  Ai!
SEVERINO, dando-lhe um pontapé - Levante-se  e  deixe  de  chamego.  Xilique  comigo não   pega.   (O   Bispo   levanta-se   vagarosamente.) Vossa Reverendíssima vai-me desculpar, mas deixe ver os bolsos.
BISPO - Não tenho nada, o capitão compreende...
SEVERINO, cortante - Mesmo  assim  eu  quero  ver.  E  deixe  de  me  chamar de capitão, que eu não gosto.
BISPO - E como hei de chamá-lo então?
SEVERINO - Severino, que é meu nome de batismo.
PADRE - É  que  nós  não  temos  coragem  de  chamar  uma pessoa tão importante de Severino.
SEVERINO - Isso tudo é porque quem está com o rifle sou eu. Se fosse qualquer um de vocês, eu era chamado era de  Biu. Deixem de conversa, que isso comigo não vai. Mostre os bolsos. (Tirando o dinheiro.) Seis contos!  Mas  é  possível?  Já  vi  que  o  negócio  de  reza  está prosperando por aqui.

JOÃO GRILO - Depois  que se  começou  a  enterrar  cachorro  então, faz gosto!
SEVERINO - E tudo isto foi para se enterrar um cachorro?
JOÃO GRILO - Foi.
SEVERINO - Nesse  caso  o  padre  deve  ter  também  alguma  coisa para seu amigo Severino.
PADRE - Tenho,  não  vou  negar.  Aqui  estão  dois  contos, Senhor   Severino.   É   o   que   posso   lhe   dar,   no momento.
SEVERINO, irônico - É  mesmo,  padre?  Não  é  possível!  Numa  terra  em que  o  bispo  tem  seis  contos,  o  padre  deve  ter  no mínimo  uns  três.  (Severo.)  Deixe  ver  os  bolsos. Olhe  lá,  eu  não  disse?  Fazendo  jogo  sujo,  hem, padre?  Quem  diria,  um  ministro  de  Deus!  Enfim, isso  é  um  fim  de  mundo.  E  o  sacristão,  que  é  que me diz disso tudo?
SACRISTÃO - Só tenho a lamentar minha pobreza, não me permite ajudar os amigos.
SEVERINO - Mais  pobre  do  que  Vossa  Senhoria  é  Severino  do Aracaju, que não tem ninguém por ele, a não ser seu velho  e  pobre  papo-amarelo.  Mas  mesmo  assim  eu quero   ajudá-lo,   porque   Vossa   Senhoria   é   meu amigo.  (Tirando  o  dinheiro.)  Três  contos!  Estou quase  pensando  em  deixar  o  cangaço.  Eu  deixava vocês  viverem,  o  bispo  demitia  o  sacristão  e  me nomeava  no  lugar  dele.  Com  mais  uns  cinqüenta cachorros  que  se  enterrassem,  eu  me  aposentava. (Sonhador.)  Podia  comprar  uma  terrinha  e  ia  criar meus bodes. Umas quatro ou cinco cabeças de gado e  podia-se  viver  em  paz  e  morrer  em  paz,  sem nunca mais ouvir falar no velho papo-amarelo.
BISPO - Mas é uma grande ideia, Severino.
SEVERINO - É  uma  grande  ideia  agora,  porque  a  polícia  fugiu. Mas  ela  volta  com  mais  gente  e  eu  não  dava  três dias  para  o  senhor  bispo  fazer  o  enterro  do  novo sacristão.

 AUTO DA COMPADECIDA. 34. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2004. p. 104, 105, 106, 107, 108; 


Exercícios

01. Cite as críticas às instituições presentes no fragmento.
02. Suassuna critica a estrutura dessas instituições?
03. Nos textos de Ariano Suassuna, encontram-se personagens capazes de sugerir soluções inteligentes e criativas. Como se percebe nesse fragmento a perspicácia de Severino?



GABARITO:

01. Os representantes do clero são caracterizados como fracos e dissimulados, e os da polícia, como covardes.
02. Como Gil Vicente, Suassuna parece investir com mais força contra os representantes dessas instituições do que contra sua estrutura propriamente dita.
03. Por sua argumentação, que cria armadilhas para seus interlocutores.



II. Auto da Compadecida, Ariano Suassuna


JOÃO GRILO: E quem foi que disse que nós já fomos julgados pela justiça? 
PADRE: Você mesmo ouviu Nosso Senhor dizer que a situação era difícil. 
JOÃO GRILO: E difícil quer dizer sem jeito? Sem jeito! Sem jeito por quê? Vocês são uns pamonhas, qualquer coisa estão arriando. Não vê que tiveram tudo na terra? Se tivessem tido que aguentar o rojão de João Grilo, passando fome e comendo macambira na seca, garanto que tinham mais coragem. Quer ver eu dar um jeito nisso, Padre João? 
PADRE: Quero, Joca. 
JOÃO GRILO: Agora é Joca, hem? E você, Senhor Bispo?
BISPO: Eu também, João. 
JOÃO GRILO: Padeiro? 
PADEIRO: Veja o que pode fazer, João. 
JOÃO GRILO: Severino? Mulher e cabra? 
MULHER: Nós também. Nossa esperança é você [...]
JOÃO GRILO: Um momento, Senhor. Posso dar uma palavra? 
MANUEL: Você o que é que acha, minha mãe? 
A COMPADECIDA: Deixe João falar. 
MANUEL: Fale, João. 
JOÃO GRILO: Os cinco últimos lugares do purgatório estão desocupados?
MANUEL: Estão.
 JOÃO GRILO: Pegue esses cinco camaradas e bote lá.

                                                                    AUTO DA COMPADECIDA. 34. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2004. p. 167; 168; 181


Exercícios

01. UEAP/2014
As ações descritas na cena teatral caracterizam bem o protagonista da peça que 

(A) busca, com sua esperteza, dar crédito aos argumentos do Bispo, por meio de chistes e piadas. 
(B) recorre, a cada novo conflito vivido por ele e o Padeiro, seu patrão, ao expediente de invocar a Compadecida.
(C) aparece subvertendo papéis, passando de oprimido a salvador dos seus opressores.
(D) renuncia completamente à ordem, ficando na plena marginalidade por suas escolhas de esferas categóricas.

02. UEAP/2014
Um auto é uma peça teatral – gênero dramático – marcado pela presença da alegoria. Frequentemente, é de inspiração religiosa e moralizante. No trecho citado, e em toda a peça, personagens como Manuel e Compadecida são construídos para 

(A) retratar o sentimento religioso do nordestino, numa visão iconoclasta. 
(B) expressar uma religiosidade simples e humanizada, mais próxima do povo. 
(C) exaltar o sentimento da justiça divina ao contemplar os simples e puros de coração. 
(D) denunciar o clero católico que, ávido por riquezas, deixa de cumprir a doutrina romana. 

03. UEAP/2014
 A peça Auto da Compadecida apresenta, estruturalmente, quinze personagens, e entre estas o Palhaço, usado como

(A) figura que mente, solícita e eficazmente, para praticar com esmero as artimanhas de João Grilo. 
(B) tipo de representação do covarde, do mentiroso inofensivo e de fé inabalável.
(C) pessoa que engana, na retórica popular e na tradição do jeitinho brasileiro, do patrão ao padre. 
(D) elemento de ligação na trama, por meio de suas peripécias e artimanhas. 


GABARITO
01.C
02.D
03.B

Nenhum comentário:

Postar um comentário